A campanha viral de ‘Cloverfield’: um marco no marketing de filmes
Em julho de 2007, o público em cinemas aguardava ansiosamente a exibição de Transformers, quando um trailer peculiar surgiu. Após diversos trailers de grandes produções, este começava com logotipos tremeluzentes da Paramount Pictures e Bad Robot Productions, logo dando lugar a cenas em estilo found-footage. Uma festa surpresa para um homem prestes a se mudar era interrompida por um rugido e luzes piscando, culminando em uma explosão e a cabeça da Estátua da Liberdade caindo em uma rua.
O trailer encerrava com apenas uma data: 18/01/08, sem título ou qualquer indicação do que se tratava. A internet ficou em polvorosa com o primeiro teaser de Cloverfield, dando início a uma campanha de marketing viral sem precedentes.
O grande foco da campanha viral de Cloverfield foi a construção da sua mitologia. Sites especiais foram criados, incluindo um com o domínio da data de lançamento do filme, para manter o público engajado. Nesses sites e documentos online, detalhes sobre a origem do monstro Clover eram revelados, algo que sequer é mencionado no filme. Além disso, a bebida fictícia Slusho! foi inserida no universo de Cloverfield, após aparecer em Alias, outra produção de J.J. Abrams.
Bryan Burk, produtor, explicou que a série Lost, também da Bad Robot, serviu de inspiração para criar uma rica tapeçaria de informações por meio de ações virais. A equipe por trás da campanha fez um trabalho tão bom que o público começou a associar o mundo de Cloverfield a diversos outros elementos online. Logo após o lançamento do teaser, Abrams teve que declarar publicamente que a campanha viral chamada Ethan Haas Was Right não tinha relação com Cloverfield, apesar das especulações.
O sucesso da campanha de marketing viral de Cloverfield residiu em seu mistério. Tratava-se de um projeto original sem título oficial até poucos meses antes do lançamento, um mistério total que permitiu que a campanha viral capturasse a imaginação do público. Documentos e notícias sobre entidades como Slusho! e a corporação Tagruato ofereciam algumas pistas sobre o que estava acontecendo. E ocasionalmente, campanhas como Ethan Haas Was Right acabavam entrando nessa onda, mas isso era um pequeno preço a pagar.
Nas semanas finais da campanha viral, grandes sites noticiavam cada novidade sobre Cloverfield, como um vídeo de Clover atacando uma estação de energia da Tagruato Corp. Cloverfield poderia ter sido ofuscado por franquias maiores, mas os vídeos e notícias virais mantiveram o filme em evidência. Afinal, quem precisava de um nome de marca já estabelecido quando um marketing viral chamativo era suficiente?
Após o lançamento de Cloverfield, a estratégia de marketing viral abriu caminho para mais integrações entre Hollywood e plataformas online como Twitter e Facebook. As páginas no MySpace usadas para promover os personagens fictícios do filme pareciam antiquadas na época da campanha viral de Prometheus, com uma parceria explícita com a Verizon. No entanto, nenhuma dessas campanhas virais, nem mesmo as dos filmes seguintes da franquia Cloverfield, alcançaram o mesmo nível de notoriedade ou engajamento dos fãs.
A razão para isso não é complexa. O cinema americano tem se dedicado cada vez mais a sequências e franquias. Projetos desse tipo não funcionam com o mistério e o sigilo das campanhas virais de Cloverfield. Quando tudo pode ser encontrado no Google, perde-se a diversão da descoberta. Quando J.J. Abrams tentou uma abordagem ambígua para divulgar Star Trek: Além da Escuridão em 2013, não funcionou tão bem. A sensação de descoberta que motivou o interesse na campanha viral de Cloverfield não podia ser replicada em sagas preexistentes, principalmente quando todos sabiam que Benedict Cumberbatch era, na verdade, Khan.
Até mesmo O Paradoxo Cloverfield de 2018 sucumbiu às tendências de Hollywood, com suas conexões explícitas com o filme original. Essa dependência de marcas conhecidas valorizou a singularidade da campanha promocional do primeiro Cloverfield. É improvável que algum filme de Hollywood consiga recriar esse tipo de hype pré-lançamento. Hoje em dia, até mesmo lançar um trailer teaser surpresa como o de Cloverfield parece algo irreal.