Adaptar um livro para as telas é um desafio complexo. Além das questões criativas de transpor uma história de um meio para outro, há um aspecto mais pessoal em jogo. Livros costumam ter fãs apaixonados que, embora ansiosos para ver suas histórias queridas ganharem vida, também têm expectativas muito específicas de como isso será executado. Devido a essas duas variáveis, muitas adaptações ficam aquém do esperado — afinal, o ditado “o livro era melhor” existe por um motivo. Mas, de vez em quando, uma adaptação acerta em cheio e, às vezes, até supera o material original. Em um caso específico, a adaptação não só acertou em tudo, mas fez isso ao realizar grandes mudanças no livro: Station Eleven.
Lançada em 2021, na então HBO Max, Station Eleven é uma minissérie adaptada do romance homônimo de 2014, escrito por Emily St. John Mandel. A história se passa 20 anos após uma pandemia de gripe devastadora levar ao colapso da civilização e acompanha um grupo de artistas que viaja de cidade em cidade levando arte aos sobreviventes, enquanto encontram um culto violento liderado por um homem misterioso. A narrativa se concentra em duas figuras principais: Kirsten Raymonde, uma atriz de oito anos na época da pandemia, e Jeevan Chaudhary, um aspirante a paramédico cujo caminho cruza o de Kirsten quando a pandemia começa. Embora o livro e a série apresentem esses elementos-chave e grande parte do núcleo da obra de Mandel, a série faz algumas mudanças cruciais que não só tornam a adaptação televisiva mais envolvente, mas também melhoram a história original.
A principal divergência entre o livro e a série envolve a história interligada de Kirsten e Jeevan. No livro, Jeevan encontra a jovem Kirsten na noite em que o mundo acaba, quando a menina é uma das atrizes mirins em uma apresentação de Rei Lear. Quando o astro da peça, Arthur Leander, sofre um ataque cardíaco fatal no palco, Jeevan tenta salvá-lo, mas não consegue e, em vez disso, conforta a jovem Kirsten, que era próxima de Arthur. Após entregá-la a alguém da produção, Jeevan recebe uma ligação sobre a iminente pandemia e é aconselhado a deixar a cidade. Ele, contudo, decide estocar suprimentos e ir ficar com seu irmão, Frank.
Na série, no entanto, Jeevan acaba escoltando a jovem Kirsten para casa, mas eles não conseguem entrar em contato com os pais dela. Com a situação se mostrando grave, Kirsten acaba ficando com Jeevan, levando suprimentos para o apartamento de Frank, onde todos se barricam e assistem ao fim do mundo como o conheciam. Oitenta dias depois, Jeevan e Kirsten deixam o apartamento sozinhos, com a humanidade e a civilização como as conheciam, destruídas pelo vírus. Essa é uma mudança sutil, mas poderosa, que permite conexões mais profundas não só com uma humanidade geral, mas entre os personagens da história, à medida que se revela que cada um deles está conectado ao falecido Arthur Leander, como um fio condutor principal — e à obra de sua primeira esposa, Miranda, como outra conexão. O livro também suaviza bastante o misterioso líder do culto, dando a ele uma motivação diferente e um arco redentor.
Enquanto as mudanças na história do livro dão a Station Eleven, como adaptação, mais coesão e fornecem conexões importantes ao grupo de sobreviventes que a história apresenta ao público, a adaptação também expande um pouco a história do mundo geral em que Station Eleven ainda está inserida e conectada. No livro, a história de Jeevan chega ao fim quando o conhecemos nos capítulos iniciais. A obra revela sua conexão com Arthur, Miranda e, eventualmente, com Kirsten, por meio de suas carreiras anteriores como paparazzi e depois como aspirante a jornalista de entretenimento, antes de ele se reinventar como paramédico. Na série, a história de Jeevan está apenas começando com a morte de Arthur, e temos a chance de ver o quão trágico e complexo o personagem é. O papel de Miranda como criadora do gibi Station Eleven, que é central para as histórias de Kirsten e do Profeta, também é mais ilustrado na série. Em vez de ser apenas uma figura da vida de Arthur cujo trabalho se cruzou com o de outros, Miranda parece quase uma presença ativa que guia o espectador pela história, que, em última análise, trata tanto da humanidade e conexão quanto da sobrevivência e esperança.
Essas mudanças em relação ao livro acabam melhorando a história geral — e isso é algo com que a própria Mandel concorda. Em setembro passado, Mandel revelou em uma entrevista à Slate, marcando o décimo aniversário da publicação do romance, que houve mudanças que o showrunner Patrick Somerville fez que, segundo ela, deram mais profundidade à história, especificamente o fato de Kirsten ir para casa com Jeevan no início do fim do mundo.
“Eu realmente adoro o que eles fizeram na série, aquele ponto da trama no início em que Kirsten vai para casa com Jeevan”, disse Mandel. “Eu acho que é muito inteligente. Isso mostra o poder da sala de roteiristas de televisão, onde você tem todas essas pessoas colaborando para construir um mundo, enquanto quando eu estou escrevendo o livro, sou só eu sozinho no meu escritório. E se eu estivesse escrevendo agora, eu prestaria mais atenção a esse estado desconfortável entre estar entrando ou saindo de uma pandemia.”
Adaptar uma história amada nunca é fácil. É complicado e há uma grande responsabilidade não só de contar uma boa história de forma geral, mas de fazer justiça ao material original. Embora a série Station Eleven seja bem diferente do romance de Mandel, é justamente porque a série se desvia do livro que ela é, possivelmente, a melhor adaptação de livro para as telas no entretenimento recente. Ao se aprofundar mais nas conexões pessoais e na maneira como os sobreviventes estão todos ligados, a série oferece algo um pouco mais humano do que os temas já humanistas do romance. Isso cria uma história bonita e comovente que não diminui a experiência de leitura, mas a aprimora. O resultado é o raro caso em que podemos dizer não que o “livro é melhor”, mas que a adaptação melhora o livro — e isso é uma grande conquista.
Station Eleven está disponível para streaming na Max.
