Gatilhos mentais, ilusão e manipulação: o que há por trás da linguagem dos influenciadores que promovem apostas

No meio disso, estão milhares de jovens sendo conduzidos ao vício, à frustração e ao endividamento — com uma promessa falsa de liberdade estampada em cada link de aposta.
Gatilhos mentais, ilusão e manipulação: o que há por trás da linguagem dos influenciadores que promovem apostas
Foto de reewungjunerr via Adobe Stock

A timeline parece casual: um influenciador segura o celular, aponta para a tela e diz que acabou de “sacar 10 mil com um clique”. Logo depois, convida o seguidor a aproveitar a “última chance do dia”. Em segundos, surgem prints, comentários de supostos vencedores e uma promessa tentadora: “você também pode mudar de vida ainda hoje.”

Mas por trás da informalidade e do tom de conversa entre amigos, há um roteiro milimetricamente calculado. E ele não é coincidência — é estratégia.

Quem explica é Rafael Terra, especialista em Tendências Digitais e autor do livro Copywriting na Prática (DVS Editora). Segundo ele, a estética, as palavras e as promessas utilizadas nas publicações de influenciadores que promovem sites de aposta seguem um padrão psicológico bem definido, ancorado nos chamados gatilhos mentais de alta conversão.

O que parece apenas um conselho de amigo é, na verdade, a aplicação direta de gatilhos mentais que impactam a decisão do seguidor em segundos”, afirma Terra.

O primeiro recurso citado pelo especialista é o gatilho da escassez, facilmente identificado em frases como “última chance”, “só hoje”, “24 horas”. A ideia não é informar um prazo real, mas forçar uma decisão imediata, ativando o medo de perder (o chamado FOMOFear of Missing Out).

Esse tipo de pressão faz com que o risco da aposta seja ignorado em nome de uma janela ilusória de oportunidade”, alerta.

Outro mecanismo é a prova social, quando o influenciador exibe dezenas de comentários dizendo que “ganharam”, “sacaram” ou “mudaram de vida”.

Esses prints — reais ou não — reforçam a ideia inconsciente de que se ‘todo mundo está ganhando’, eu também posso”, explica Terra.

É a mentalidade da multidão. E ela paralisa o pensamento crítico.”

Já o gatilho da autoridade atua quando o criador de conteúdo se coloca como especialista, alguém que “entende dos bastidores” ou “tem acesso ao link que mais paga hoje”. Isso se intensifica com a ostentação de prêmios, carros ou viagens — imagens cuidadosamente alinhadas à ideia de que ele sabe o que está fazendo e, portanto, merece ser seguido sem questionamento.

O influenciador ostenta para criar uma imagem de sucesso e expertise, mesmo sem comprovação nenhuma. E muita gente compra isso como garantia.”

A venda do sonho: quando o risco é disfarçado de futuro idealizado

Mas segundo Terra, o mais perigoso de todos é o gatilho da imaginação e da ilusão. Ele aparece nas frases que pedem ao seguidor para visualizar uma mudança súbita de vida:

“Imagine ganhar isso em cinco minutos.”
“E se fosse hoje o seu dia?”

Quando o influenciador diz isso, ele não está vendendo uma aposta. Está vendendo um sonho”, diz o especialista.

A mente humana é altamente sugestionável à visualização de um futuro possível. E quanto mais emocional for essa cena mental, mais rápido o seguidor age sem pensar.”

É aí que entra o apelo mais traiçoeiro de todos: o da facilidade extrema. Com frases como “não precisa entender nada”, “ganhei em dois cliques” ou “aperta aqui e ganha”, o influenciador aciona o que a neurociência chama de cérebro preguiçoso — uma tendência natural da mente humana de buscar o caminho mais curto para o prazer ou a recompensa.

É nesse ponto que a persuasão se torna predatória. Porque a aposta deixa de parecer um risco e passa a parecer um gesto inofensivo. Como se fosse mudar de vida com o toque de um botão.”

Entre o entretenimento e a manipulação

Isoladamente, esses gatilhos são comuns no marketing. Mas no contexto das apostas, seu uso combinado transforma uma recomendação em um ambiente de manipulação emocional disfarçado de entretenimento.

Esses gatilhos isolados já são potentes. Combinados, eles criam um campo de manipulação. E é justamente aí que mora o perigo: quando a publicidade deixa de ser apenas persuasiva e passa a ser predatória”, afirma Terra.

O problema vai além do conteúdo que desaparece após 24 horas.

O influenciador pode até apagar o story. Mas o impacto psicológico — e financeiro — na vida do seguidor pode durar muito mais”, conclui.

Vivemos um tempo em que os algoritmos vendem esperança e os influenciadores entregam ilusão com legenda motivacional. No meio disso, estão milhares de jovens sendo conduzidos ao vício, à frustração e ao endividamento — com uma promessa falsa de liberdade estampada em cada link de aposta.

Não é só sobre ética na publicidade. É sobre responsabilidade social no uso da linguagem. E enquanto isso não for pauta central, os “conselhos de amigo” continuarão sendo armadilhas emocionais com embalagem de oportunidade.

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