A estreia de Lost em 2004 marcou a história da televisão, embora ninguém percebesse isso na época. A série desafiou todas as convenções, e sua chegada às telas foi quase um milagre, com desastres pairando sobre cada etapa do desenvolvimento.
Em 2004, a piada na indústria era que a ABC significava "Already Been Canceled" (Já Foi Cancelada, em português) devido às baixas audiências. O executivo da emissora, ciente de seu tempo limitado no cargo, recorreu ao produtor J.J. Abrams, que estava prestes a se dedicar ao cinema, para criar uma nova série. O jovem roteirista Damon Lindelof, por sua vez, só queria conhecer Abrams e trabalhar em Alias. A premissa de Lost – uma mistura de Survivor com Náufrago – parecia fadada ao fracasso. No entanto, eles se uniram para criar uma série que gostariam de assistir, embora todos acreditassem que o piloto falharia.
Lloyd Braun, o executivo da ABC, foi encarregado de revitalizar a emissora, que estava em declínio. Em meio a uma disputa corporativa na Disney, ele se viu como bode expiatório. Ainda assim, ele deu sinal verde para Lost e contratou Jeffrey Lieber para desenvolver o piloto. Braun não gostou do roteiro de Lieber e, sem tempo para esperar, recorreu a J.J. Abrams, que devia à ABC mais uma série antes de ir para o cinema. Apesar do pouco tempo, Abrams aceitou a proposta e convidou Damon Lindelof para co-criar a série. Para Lindelof, essa era uma espécie de "teste" para entrar na equipe de Alias.
Apesar de não utilizar o roteiro de Lieber, o Sindicato dos Roteiristas determinou que ele recebesse 60% do crédito pela criação de Lost.
Abrams e Lindelof criaram um esboço detalhado em apenas cinco dias. Braun encomendou o piloto, o que exigiu que a dupla escrevesse o roteiro enquanto lidava com a pré-produção e a escalação do elenco. Por ser um projeto do presidente da emissora, nada foi economizado. O piloto de Lost, que acabou dobrando de tamanho, se tornou o mais caro da história da televisão na época, mesmo que Lindelof e Abrams acreditassem que a ABC nunca encomendaria uma temporada completa.
Normalmente, a escalação do elenco só ocorre após a finalização do roteiro, mas Lost não tinha esse tempo. Os diretores de elenco e produtores se basearam em uma cena que nunca entrou na série e confiaram em suas intuições. Personagens como Sun e Jin foram criados especificamente para seus intérpretes. A série contou com um elenco diversificado, com personagens que eram reescritos e redefinidos conforme os atores chegavam para as filmagens na primavera de 2004. As gravações foram turbulentas, mas cada ator se dedicou totalmente ao projeto.
Com exceção de uma semana em Los Angeles para as cenas do avião, o primeiro episódio de Lost foi filmado inteiramente em locação no Havaí. Como outros programas também estavam sendo filmados lá, não havia espaço em estúdios, forçando Abrams e sua equipe a se adaptarem. Eles levaram um avião real (após destruí-lo), o que chamou a atenção da imprensa local. As reescritas do roteiro aconteciam durante as filmagens, e o piloto ficava cada vez mais longo.
A colaboradora de longa data de Abrams, Mary Jo Markey, editou o piloto conforme as filmagens aconteciam devido à falta de tempo, ajudando a moldar a série. Ela cortou cenas aéreas caras do Havaí para manter uma sensação pessoal. Enquanto isso, as equipes de efeitos visuais estavam sobrecarregadas, com muitas cenas sendo terceirizadas. Após as filmagens, Abrams teve poucos dias para finalizar a edição e apresentar o piloto à ABC. A icônica sequência de abertura de Lost foi criada em seu laptop e, surpreendentemente, permaneceu na série até sua estreia.
Vários detalhes sobre o piloto se tornaram lendas, como a escalação de Michael Keaton para interpretar Jack, que morreria no primeiro episódio. Personagens também sofreram mudanças drásticas, como Hurley, que inicialmente morreria para introduzir Sawyer como um vilão. Em vez disso, Hurley se tornou o coração da ilha. Sem descrições físicas detalhadas dos personagens, os produtores puderam contratar os melhores atores para os papéis.
Para economizar dinheiro, muitas cenas de Lost poderiam ter sido filmadas em estúdio. Mas, como todos os estúdios estavam ocupados, eles foram forçados a usar locações externas. O clima era implacável, mas ajudou a tornar a ilha um personagem na série. As filmagens em locações também levaram ao surgimento do primeiro site de fãs de Lost, com imagens e detalhes das filmagens compartilhadas pela imprensa e pelos fãs.
Documentários e relatos da imprensa mostram reações mistas dos executivos da ABC ao piloto. Braun foi demitido durante as filmagens, e seu substituto, Steve McPherson, junto com Robert Iger e Michael Eisner, tiveram reações variadas à versão original do piloto. Um vazamento da fita do piloto online aumentou o burburinho em torno da série.
O piloto de Lost foi exibido em canais regionais de TV a cabo como forma de teste, devido à urgência do projeto. Os telespectadores respondiam a questionários e os primeiros fãs começaram a compartilhar suas impressões online. McPherson, precisando de novas séries, encomendou 13 episódios de Lost, surpreendendo Abrams e Lindelof, dado o custo do piloto e o burburinho gerado.
A série contou com uma campanha de marketing incomum, com transmissões de rádio que pareciam chamados de socorro e mensagens em garrafas deixadas em praias. Na San Diego Comic-Con, 4.800 pessoas assistiram ao piloto. Apesar da resposta positiva, Lost ainda era vista como um possível fracasso devido à reputação da ABC.
A decisão de dividir o piloto em duas semanas foi outro desafio. Apesar da baixa expectativa, 18 milhões de pessoas assistiram à estreia, e quase o mesmo número na segunda semana. Lost se tornou um sucesso instantâneo, provando que séries de prestígio poderiam funcionar nas emissoras abertas. A série desafiou as probabilidades e salvou a ABC, redefinindo a televisão e impactando a indústria até hoje.
Lost está disponível em DVD, Blu-ray, plataformas digitais e em streaming no Hulu, Disney+ e Netflix.