Piloto de ‘Lost’: Um Milagre na TV que Mudou a História das Séries
Em 22 de setembro de 2004, a estreia de Lost revolucionou a televisão, desafiando as convenções de Hollywood e se tornando um grande sucesso. Desenvolvida em menos de quatro meses, a série tinha tudo para ser um desastre. No entanto, J.J. Abrams e Damon Lindelof criaram um episódio piloto que vale a pena ser visto, mesmo para quem não pretende acompanhar toda a saga.
O propósito de um piloto de televisão é duplo: serve como amostra para a emissora avaliar o potencial da série e, ao mesmo tempo, cativar o público para que ele acompanhe semanalmente. Normalmente, um piloto só é encomendado após a conclusão do roteiro, dando aos produtores meses para escalar o elenco e filmar o primeiro episódio. Mas não foi o que aconteceu com Lost.
Em janeiro de 2004, Lloyd Braun, chefe da ABC, estava de saída da emissora, e a série era seu projeto dos sonhos. Ele acreditava na ideia mesmo antes de haver uma história. O que Abrams e Lindelof criaram foi tão impactante que a ABC aprovou a série mesmo após a demissão de Braun. É difícil não se sentir compelido a ver o que acontece depois de assistir ao piloto de duas horas. Uma verdadeira aula de narrativa seriada, Lost era algo único na televisão da época e continua relevante.
Um Milagre da Produção
J.J. Abrams tinha mais um contrato com a ABC antes de seguir para o cinema, enquanto Damon Lindelof só queria conhecer Abrams e impressioná-lo para trabalhar em Alias. Ambos encararam o piloto de Lost como suas “audições”. Eles começaram a trabalhar na ideia em meados de janeiro, e o episódio piloto finalizado tinha que ser entregue até 6 de maio de 2004. Como era o projeto de Braun, não houve preocupação com elenco ou orçamento. Ninguém acreditava que a série se concretizaria, mesmo se a ABC encomendasse o piloto.
Conforme Lloyd Braun declarou, a apresentação da ideia foi brilhante e o fato dos dois terem escrito em cinco dias foi impressionante. Braun encomendou o piloto baseado apenas na ideia, algo inédito na televisão. Como a escalação começou sem um roteiro, os personagens foram criados para atores específicos, e não o contrário. A velocidade da produção não deu tempo para que ninguém duvidasse. Tudo na série foi se expandindo, do tamanho do elenco à duração. Os números exatos não são claros, mas Lost foi o piloto mais caro produzido até então.
Steve McPherson, sucessor de Braun, não acreditava na série, mas precisava de um sucesso para 2004, pois a ABC estava gerando prejuízos para a Disney. A versão original dos dois primeiros episódios vazou online e gerou um burburinho positivo, forçando McPherson a encomendar 13 episódios. Quando Lost estreou, apenas a primeira parte do piloto foi ao ar, atraindo mais de 18 milhões de espectadores, o maior número em quatro anos para a emissora.
Mistérios em Duas Direções
Lost vinculou sua narrativa às experiências individuais dos personagens, começando com Jack Shephard. A sequência de abertura de sete minutos leva o espectador desde o bambuzal onde ele acorda até o grande acidente de avião. A cena chama a atenção imediatamente e continua impressionante mesmo 20 anos depois. Após o choque inicial, a história apresenta os outros sobreviventes. Seja Jack emocionado ou Sawyer fumando em silêncio, são as pessoas que impulsionam o drama.
Os flashbacks, que se tornariam cruciais na narrativa de Lost, são ligados a Jack, Kate Austen e Charlie Pace momentos antes do acidente. O piloto de duas horas apresenta outros 12 personagens, mas não há tempo para conhecê-los a fundo. Em vez de prejudicar a série, isso despertou a curiosidade do público. Seja por um desenvolvimento atípico ou uma escolha narrativa, o passado desses personagens foi deixado tão misterioso quanto o futuro.
Alguns dos mistérios do piloto incluem a presença de ursos polares, o crime que fez Kate fugir, o vício em heroína de Charlie, a carta “Caro Sr. Sawyer”, a transmissão da francesa de 16 anos e o monstro da ilha. Surpreendentemente, o piloto não levanta muitas questões sobre a natureza da ilha. A pergunta mais intrigante não é sobre monstros ou animais. Os sobreviventes é que levam os espectadores a querer continuar, pois Abrams e Lindelof criaram personagens cativantes. O público quer conhecer Hurley, Locke, Jin-Soo e Sun-Hwa Kwon. O episódio de estreia prepara o terreno perfeitamente.
Um Convite à Próxima Fase
Para quem ainda não viu a série, ela será igualmente interessante, mesmo conhecendo os spoilers. O piloto continua cativante mesmo se o final da série for revelado. Lost foi tão popular que até quem não assistiu conhece reviravoltas da trama. Mas isso não importa. A direção de Abrams nos momentos após o acidente, a atuação do elenco e a narrativa bem construída prendem a atenção do espectador.
O maior mistério talvez seja a transmissão que os sobreviventes encontram no final do piloto. A ideia de que há outros na ilha é outra informação conhecida sobre Lost. O corte abrupto do episódio, logo após Charlie perguntar “Onde estamos?”, surpreende. A sensação de que o episódio está inacabado, por conta da natureza seriada da série, é perfeita. Ele praticamente obriga o espectador a começar o episódio 3 para ter alguma sensação de conclusão.
Tudo indicava que o piloto de Lost não daria certo. Mas elementos que seriam desvantagens em outra produção, a tornaram ainda melhor. O pouco tempo para apresentar os personagens criou um mistério, e o final repentino faz o público querer mais. Mesmo não sendo o melhor episódio de Lost, o piloto é uma das introduções mais eficazes de todos os tempos.
A Revolução de 2004
Hoje, espera-se que uma nova série introduza mistérios em seu primeiro episódio. A estreia de Lost talvez não pareça tão revolucionária hoje, mas, em 2004, não era comum. Os pilotos apresentavam elementos que dariam sequência à série, mas sempre com uma conclusão ao final do episódio. Lost ousou ao negar isso ao público, aumentando o desejo de assistir ao próximo episódio.
Outro ponto fora da curva no piloto de Lost foi a narrativa não linear. Embora o acidente aéreo seja o ponto de partida da história, ele não é mostrado. A cena do avião caindo na praia foi evitada por ser cara, mas isso aumentou o mistério sobre como 48 pessoas sobreviveram. Esse “milagre” é como o piloto de Lost, um episódio que, em tese, não funcionaria. Se você nunca viu, vale a pena assistir, mas cuidado: depois de terminar, você vai querer ver mais.
A série completa de Lost está disponível em DVD, Blu-ray, formato digital e nos serviços de streaming Hulu, Disney+ e Netflix.