O filme Ainda Estou Aqui (2024), dirigido por Walter Salles, se propõe a abordar uma das passagens mais sombrias da história brasileira com seriedade e respeito. Baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, a produção narra a trajetória da família Paiva, marcada pela brutalidade da ditadura militar. Rubens Paiva, deputado federal pelo PTB cassado após o golpe de 1964, foi preso, torturado e morto pelo regime em 1971. Este drama histórico mergulha nos bastidores familiares da tragédia, trazendo à tona reflexões profundas sobre memória, justiça e reparação. Assisti na última segunda-feira (27), no Shopping Parangaba, em Fortaleza-CE.
Embora tecnicamente impecável e sustentado por um elenco talentoso, o filme peca por sua abordagem excessivamente sóbria e emocionalmente distante. A opção do diretor por uma narrativa mais contida resulta em uma obra que, apesar de sua relevância histórica e política, carece de um envolvimento mais visceral com o público.
A força do elenco: atuações que sustentam o drama
Um dos pontos altos de Ainda Estou Aqui é, sem dúvida, a atuação do elenco. Selton Mello entrega uma performance sólida como Rubens Paiva, equilibrando a seriedade de um homem politizado e a leveza de um pai de família dedicado. Sua semelhança física com o personagem histórico reforça a autenticidade de sua interpretação. Outro destaque é Fernanda Torres, que vive Maria Lucrécia Eunice Facciolla, esposa de Rubens, com uma intensidade silenciosa que traduz a dor e a resiliência diante das adversidades impostas pelo regime militar.
Luiza Kosovski, como Eliana, e Guilherme Silveira, no papel de Marcelo (ainda criança), também merecem reconhecimento por suas atuações magnéticas e emocionantes. As nuances presentes nos olhares e gestos do elenco fazem com que os espectadores se conectem com a trajetória da família Paiva, mesmo quando o filme, como um todo, parece se distanciar emocionalmente de sua própria narrativa.
Direção de Walter Salles: entre a sobriedade e a apatia
Walter Salles opta por uma abordagem sóbria e contida para retratar os horrores da ditadura, priorizando a densidade histórica em detrimento do apelo emocional. A decisão de focar em uma estética formalmente impecável, com fotografia melancólica e narrativa linear, dá ao filme um tom grave e respeitoso. No entanto, a ausência de momentos de maior calor humano, especialmente nos retratos do cotidiano da família, compromete o impacto emocional.
O contraste entre o tom sombrio do enredo e a direção emocionalmente distante deixa a sensação de que algo crucial está faltando. Momentos que poderiam explorar mais a dinâmica familiar, a alegria entre pais e filhos ou até mesmo os pequenos gestos de resistência cotidiana, são tratados de forma protocolar, diminuindo a potência emotiva.
Estética e trilha sonora: um retrato fiel da época
Se há algo inquestionável, é sua atenção aos detalhes históricos. A direção de arte recria com fidelidade o Brasil dos anos 1970, desde os cenários até os figurinos. A trilha sonora é outro ponto forte, pontuando a narrativa com músicas que marcam o período, como Fora da Ordem (Caetano Veloso, 1991). Esses elementos enriquecem a ambientação e ajudam a transportar o espectador para o contexto da época.
Apesar disso, a estética cuidadosa e a trilha bem escolhida não conseguem compensar a falta de um ritmo narrativo mais dinâmico no terceiro ato. A transição entre o drama familiar e os desdobramentos históricos no bloco final do filme parece abrupta, comprometendo a força do desfecho.
Vale a pena assistir Ainda Estou Aqui?
Ainda Estou Aqui é uma obra relevante, que resgata uma história necessária e nos lembra da importância de preservar a memória e lutar por justiça. O desempenho do elenco e a qualidade técnica do filme o tornam digno de reconhecimento. No entanto, a direção de Walter Salles, ao optar por uma abordagem mais contida, deixa de explorar plenamente o potencial emocional da narrativa, resultando em uma obra que, embora importante, carece de alma.
Ainda assim, o filme cumpre seu papel de reacender o debate sobre os horrores da ditadura militar e a necessidade de investigar e punir os responsáveis por violações de direitos humanos. Mais do que um drama familiar, é um lembrete melancólico de que a luta por direitos e justiça é constante e que nenhuma conquista está garantida. É um filme que merece ser visto, discutido e lembrado.
Que texto incrível!!! Não assisti mas reforçou meu interesse.