O cinema brasileiro carrega em sua história algumas obras que transcendem gerações, tornando-se clássicos atemporais. “O Auto da Compadecida”, lançado em 2000, é um exemplo claro disso, conquistando o público com seu humor inteligente, personagens cativantes e uma narrativa que equilibra drama e comédia com maestria. Inspirado na obra de Ariano Suassuna, o filme se consolidou como um marco cultural, gerando expectativas sobre uma possível sequência. Contudo, quando “O Auto da Compadecida 2” finalmente chegou aos cinemas, 25 anos após o original, a sensação predominante foi de que talvez a continuação não fosse realmente necessária. Fui na última quarta-feira (1º) assistir no shopping Iguatemi Bosque, em Fortaleza, cheio de expectativas, e confesso que fiquei um pouco frustrado.
Embora o segundo filme resgate o carisma dos personagens e apresente momentos divertidos, ele falha em trazer algo verdadeiramente novo ou memorável. Apoiado em repetições e fórmulas já conhecidas, a produção parece mais interessada em reviver o passado do que em construir algo relevante para o presente. Esse excesso de nostalgia, embora confortante para os fãs, acaba por limitar o impacto e a originalidade da obra.
Repetição de fórmulas: o maior inimigo da originalidade
Uma das principais críticas a “O Auto da Compadecida 2” é sua dependência do sucesso do primeiro filme. O roteiro, assinado por Guel Arraes, Jorge Furtado, João Falcão e Adriana Falcão, recicla situações e conflitos já explorados anteriormente, especialmente no final. Para quem tem o longa de 2000 ainda fresco na memória, a semelhança entre os enredos é evidente, gerando uma sensação de repetição que prejudica a experiência.
Essa falta de elementos novos reflete a dificuldade de equilibrar fidelidade ao original e a necessidade de inovar. Embora respeitar o legado de Suassuna seja fundamental, era possível criar uma história que expandisse o universo de João Grilo e Chicó de forma mais ousada. Infelizmente, a escolha por caminhos já trilhados impede que a sequência atinja o mesmo nível de brilhantismo de seu antecessor.
Atuações que salvam a obra
Se há algo em que o longa acerta, é na escalação de seu elenco. Matheus Nachtergaele e Selton Mello retomam seus papéis como João Grilo e Chicó com uma sintonia impressionante, como se nunca tivessem deixado de viver esses personagens. A performance de Nachtergaele é especialmente destacada, trazendo novamente a malandragem e o carisma irresistíveis de João Grilo.
Além da dupla principal, os coadjuvantes também se destacam. Eduardo Sterblitch, como o oportunista Arlindo, e Luiz Miranda, no papel do vigarista Antônio do Amor, garantem boas risadas com suas atuações cômicas. Já Taís Araújo, interpretando a Compadecida, enfrenta o desafio de substituir Fernanda Montenegro e o faz com carisma, trazendo um tom doce e equilibrado à personagem.
Falta de ousadia na direção e narrativa
Apesar do acerto nas atuações, a direção de Guel Arraes e Flávia Lacerda não consegue dar à obra um tom mais cinematográfico. O filme, por vezes, assume uma estética televisiva, o que diminui sua grandiosidade. Além disso, a falta de ousadia em explorar novas abordagens narrativas torna a produção menos impactante, reforçando a sensação de que o longa foi feito para cumprir uma expectativa, e não por uma necessidade artística.
Outro ponto que poderia ter sido melhor trabalhado é o desenvolvimento dos personagens secundários. Figuras como Clarabela (Fabíula Nascimento) e Rosinha (Virgínia Cavendish) foram pouco exploradas, deixando a impressão de que suas presenças servem mais como apoio do que como elementos relevantes à trama.
Vale a pena assistir “O Auto da Compadecida 2”?
Ele cumpre a função de entreter e matar a saudade do público pelos icônicos João Grilo e Chicó. No entanto, sua falta de originalidade e ousadia coloca em xeque a necessidade de sua existência. Em vez de ser uma continuação que amplia o legado do original, o filme opta por revisitar fórmulas já consagradas, resultando em uma obra segura, mas sem o brilho inovador que marcou o primeiro.
A pergunta que fica é: será que precisamos de mais uma sequência? Caso haja um terceiro filme, espera-se que ele traga novidades à altura do universo de Ariano Suassuna, com respeito às suas raízes, mas com coragem para ousar. Afinal, o cinema brasileiro merece obras que não apenas resgatem o passado, mas também inspirem.